Carta Aberta ao Dr. Mariano Gago


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Ex.mo. Sr. Dr. Mariano Gago

Permita-nos uma reflexão sobre o seu triste comentário à Praxe Académica na Rádio Renascença, reproduzida a posteriori no jornal “Público”.

Num tempo de globalização da economia e das ideias, em que o mundo se contenta com o modelo único, são raros os rasgos de amor pelos usos e costumes de um país ou de uma região. A incompreensão cultural é responsável por esta expansão da cultura generalista e de massas que ostraciza as culturas nacionais e regionais, bem como de inúmeros conflitos culturais pelo mundo. De repente, o mundo julga que temos de ser todos iguais e ai de quem o não seja, ou é bárbaro ou atrasado.

Aquando da referida entrevista, o Sr. Ministro qualifica a praxe de “bárbara e fascista” concluindo que gostaria de a ver extinta. Como mote para estas afirmações, encontrava-se um alegado abuso que terá acontecido num dos inúmeros institutos superiores que germinam pelo país. O que nós gostaríamos de fazer ver ao Sr. Ministro é a realidade coimbrã.

Não se ignora que a Praxe Académica de Coimbra vai beber as suas origens à tradição colegial britânica, mas não é menos verdade que, ao longo do tempo, adquiriu autonomia e originalidade. Tornou-se tipicamente Coimbrã e, goste-se ou não, a maioria dos estudantes de Coimbra identificam-se com ela.

Pela nossa parte, que vivemos as tradições académicas de fio a pavio e temos, permita-me dizer-lho, a opinião autorizada de quem por lá passou e de quem por lá passa.

Do primeiro ao último dia, a Praxe Académica foi sempre uma forma de integração e de identificação entre nós e os nossos colegas e nunca nos sentimos humilhados por nenhum episódio. Em cada situação cabe a cada um ser juiz de cada atitude e agir em conformidade, de modo que a integridade moral ou psicológica não saia dali beliscada.

Assim, Dr. Mariano Gago, pareceu-nos importante que os nossos ministros se informem melhor sobre os assuntos que vão comentar.

No seu comentário cometeu vários erros clássicos, nomeadamente quando confundiu a Praxe com situações esporádicas de mau gosto que aconteceram em institutos de ensino superior. Mas diga-se, mau gosto há por toda a parte. Parece-nos grave que um ministro faça um exercício cognitivo desta natureza, partindo do particular para o geral, pegando num caso de abuso e ligando-o a todos que vivem as tradições académicas. Como se, por exemplo, nós fossemos observar os casos de corrupção na política, e, partindo desse principio disséssemos que os políticos são todos corruptos.

A Praxe Académica na Universidade de Coimbra é muito mais do que um abuso de qualquer instituto e diz respeito a todos os usos e costumes que o tempo se encarregou de enraizar na Academia de Coimbra.

Desconhece o Sr. Dr. e desconhecem todos aqueles que não tiveram a sorte de passar por Coimbra, a verdadeira dimensão do fenómeno.

É verdade que os “caloiros” são submetidos a brincadeiras, mas cabe-lhes a eles serem juizes da sua conduta, bem como o conhecimento dos limites e das regras da Praxe.

Julgá-los incapazes, desprovidos de razão, vontade ou até dignidade, tal como os retractou com a sua adjectivação, é um insulto, que consideramos grave, à geração que pagará a sua reforma, que cuidará das suas mazelas da velhice e lhe prestará as honras devidas.

O seu comentário revela desconhecimento.

Desconhece o Sr. Dr. que a Praxe Académica é um espaço de convívio e não de disputa, um meio de integração e não de segregação?! Desconhece que é um espaço de debate cultural, através das inúmeras tertúlias que existem nesta cidade e que, por serem uso e costume, são também “Praxis”?!

Ignora o Sr. Dr. que é na Praxe Académica que muitos estudantes de Direito exercitam os seus primeiros passos “jurídicos”?!

Ignora que a Praxe é um espaço de debate constante em que os alunos aprendem e participam livremente?!

Ignora, e talvez porque o problema nunca o tenha afectado pessoalmente, que o uso de Capa e Batina (gesto de Praxe) esbate as diferenças sociais e que é um elemento integrador?!

Ignora ainda o Sr. Dr. que os caloiros e os Doutores, esses “bárbaros e fascistas”, vivem aqui em Coimbra em grande harmonia e companheirismo sobre o mesmo tecto e que criam laços da amizade que os vão unir para a vida inteira?!?

Enfim, Dr. Mariano Gago, se ignora tudo isto, é demasiada ignorância para quem se arroga no direito de comentar o assunto!

O Sr. Ministro imaginou-se, porventura, no lugar de cada um dos intervenientes na sua concepção de praxe. O seu intelecto produziu imediatamente uma sensação de humilhação e sede de vingança, quando se imaginou no lugar dos caloiros, e de soberbo autoritarismo, quando no lugar dos Doutores. Só assim se explica a adjectivação usada.

Esta é uma perspectiva possível das coisas, mas típica, a meu ver, de quem não consegue ver o mundo senão escalonado em classes de opressores e oprimidos, com sentimentos mesquinhos de vingança de parte a parte.

Do nosso ponto de vista e do conhecimento que temos, do que em Coimbra se passa, concluímos rapidamente que o Sr. Dr. nunca por lá passou. Nunca provou do sentimento de amizade e respeito sinceros que acabam por unir estes estudantes.

Será admissível imaginar que tantos milhares de caloiros se submetam à “crueldade” de doutores ávidos de vingarem as humilhações sofridas no passado?! Serão estes milhares de jovens uns tontos, uns parvos?! Ou haverá na Praxe de Coimbra elementos de união e sentimentos de orgulho e pertença que escapam completamente ao olhar do forasteiro?!

No seu comentário transpareceu sempre a sua ignorância sobre o fenómeno e alguns rasgos de antipatia pelos estudantes. Pela nossa parte, permita-me dizer-lho, a antipatia é recíproca.

Considero que, como em tudo, também na Praxe há abusos e é por isso que ela é discutida e “legislada” em Coimbra como em mais nenhuma Universidade do país.

Por tudo isto, permita-me adjectivar o seu comentário, porque também não se coibiu de adjectivar a Praxe Académica de Coimbra, ele foi triste, arrogante, manipulador e pejado de ignorância. Chamar fascista e bárbaro a quem vive a praxe, revela intolerância e uma visão distorcida para com quem gosta de perpetuar tradições centenárias… arrogar-se ao direito de acabar com ela revela tiques de autoritarismo típicos de uma esquerda que não devia ser a sua. (ou será?).

Mas não posso acusar sua ex. de incoerência. Pelos vistos quer livrar o pais de grandes males. A juntar à praxe surge recentemente os seus entraves à entrada do M.I.T.(Massachusetts Institute of Technology) em Portugal. Concordamos que tão nefasto organismo seja banido do país. Talvez a sua próxima quimera seja erradica-lo do mundo. Obrigado Sr. Ministro, obrigado por nos tentar libertar de tão pesadas cruzes. Quanto ao M.I.T. não sabemos se será capaz, mas quanto à praxe, essa, já vem de trás e garanto-lhe que se perpetuará muito depois de si.

Gratos pela atenção!

Posted by Fernando T. Alves


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